Eu tinha apenas 6 anos e pouco entendia sobre o amor. Tinha consciência de que meus pais me amavam, é claro, mas não tinha malícia, não entendia muito bem o que era amar.
Mesmo com pouca experiência, eu era observador. Adorava quando o papai chegava em casa e beijava a mamãe com doçura. Essa era a imagem que, para mim, definia o amor.
Depois de ir adquirindo conhecimento por observação, passei então a olhar mais de perto meu irmão, o Henrico. Ele tinha 16 anos e quase todos os dias vinha para casa com um amigo, o Léo. Os dois sorriam muito um para o outro e vez ou o outra, o Henrico ajeitava uma mecha do cabelo do Léo, ou tirava-lhe a franja dos olhos. O que eu ainda não tinha entendido era o por quê disso acontecer apenas quando mamãe e papai não olhavam.
Papai começou a demonstrar uma face carrancuda todas as vezes que o Léo ia lá em casa.
- Filho, você vive trazendo esse garoto para cá! Ele não tem casa não? Quando é que você vai trazer sua namorada?
- Eu não tenho namorada, pai. E o Léo faz parte do meu grupo de álgebra, preciso dele aqui todos os dias se a gente quiser ganhar o campeonato no fim do ano.
- Sei.
- Deixa o Rico em paz, Antônio! Você não vê que ele fica constrangido com esse interrogatório sobre namoradas?
O Rico me olhava de canto de olho e sorria pra mim. Ele sabia que eu tinha as respostas para as perguntas do papai e que, ao contrário dele, eu jamais ficaria carrancudo.
Um dia, quando o Rico foi dormir na casa do Léo, eu resolvi falar o que eu pensava. Foi uma frase inocente, mas causou um furor enorme.
- Papai, acho que o Rico gosta do Léo.
Ele tirou os olhos do jornal e me encarou por uns segundos. Face carrancuda, como sempre, mas não parecia surpreso.
- Err... é claro que gosta! O Léo é o melhor amigo dele!
-Não, papai, acho que ele gosta do Léo, como você gosta da mamãe.
Papai arregalou os olhos e voltou-se para a mamãe.
- Lúcia, o que é que esse garoto andou vendo?
- Nada, Antônio! Eu só acho que o Pedrinho é o único aqui que não fica tentando colocar panos quentes em uma história que não é mais novidade.
- Pedro, sobe já pro seu quarto!
Foram várias horas de gritaria. Eu me sentia culpado e ao mesmo tempo perplexo. Por que o Rico não podia gostar do Léo, como o papai gostava da mamãe? Será que eu tinha dito alguma coisa errada? Chorei muito aquela noite. E eu nem sabia que poderia ficar pior.
Um dia pediram para a gente fazer um desenho na escola. O tema era livre, então eu só desenhei a minha mais nova descoberta. Eram dois bonequinhos: o Rico e o Léo, se beijando como papai e mamãe faziam. Chamaram a mamãe e perguntaram para ela a mesma coisa que meu pai perguntara, quando eu falei sobre o amigo do Rico.
"O que o seu filho tem visto? Ele tem contato direto com a homossexualidade, vocês conversam com ele sobre isso?" - Ouvi a voz preocupada da diretora e não entendi porque todo mundo queria saber o que eu tinha visto. Por um momento achei que era algum tipo de vidente, ou viajante do tempo, que tinha uma informação muito importante. Coisa de criança né?
Dessa vez o Rico apanhou de cinta do papai. Foi a última vez que o vi. Mamãe arrumou nossas malas e fomos morar com a vovó. Meu coração estava pequenininho e eu me sentia extremamente culpado.
Um dia, depois de voltar da visita ao papai resolvi perguntar para a minha mãe tudo que eu ainda não tinha entendido.
- Mãezinha, o papai disse que o Rico é bib... bibinha, biribinha sei lá. Disse para mim que ele é assim porque sempre gostou de usar seus sapatos de salto alto e porque você "sub" protegeu ele. Eu também gosto de usar seus sapatos, mamãe, isso quer dizer que eu sou "biribinha"?
- Oh, meu filho, não sei, você gosta de meninos?
- Ah, gosto, mas não como o Rico gosta do Léo, nem como o papai gosta de você. Gosto pra jogar bola, brincar de vídeo game...
-Então não, filho. Você não é "biribinha", nem bibinha. Aliás, nem o seu irmão é. Seu irmão é como você e eu, é como o papai, como o vovô e a vovó, a única diferença é que ele prefere meninos para namorar. Só isso!
-Ahhh, entendi. Então você quer dizer que o Rico e o Léo se amam?
- Sim, meu amor, eles se amam.
-Obrigada, mamãe!
Ela me deu um beijo de boa noite e apagou a luz. Até hoje eu não entendo porque o papai não queria que o Rico amasse o Léo. Talvez, um dos motivos seja o fato dele entender menos de amor do que eu com 6 anos de idade.
- Gabriella Ramos
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